quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Retrato em Tye-die (A Serra do Mar é a fronteira do Japão)

Quando eu era criança, acreditava que o Japão ficava atrás da Serra do Mar. É claro que não tinha esse raciocínio naquela época, mas, olhando em retrospecto, consigo entender a geografia delirante da minha infância.
Cresci em Cubatão e, no bairro onde eu morava, essa cadeia montanhosa era o ponto mais distante que a vista poderia alcançar. Logo, fazia todo sentido dizer que, se o mundo terminava ali, o solo nipônico ficava exatamente do outro lado.
Já acreditei que qualquer um podia escrever em japonês, bastava caprichar nos traços. Para mim, era certo (como dois e dois são cinco) que as pessoas nasciam com um nome que, assim como a personalidade do indivíduo, era alterado com o passar dos anos.
Na minha cabeça, cada um seria uma espécie de Pokémon, que mudaria a cada fase evolutiva. Esse outro devaneio também não deixa de ter certo sentido ("A única certeza da vida é a mudança")
A lista das minhas sandices infantis é extensa (os mais ferinos podem até comentar que ela explica muita coisa...). Durante um tempo, pensei que, no passado, todos viviam em preto-e-branco. Tinha absoluta convicção de que era possível ultrapassar a idade dos meus amigos e me tornar mais velho, com um pouquinho de esforço.
Houve época em que eu poderia ter apostado com qualquer um que o Elton John, o John Lennon, a Olivia Newton-John e o John Travolta eram primos.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

A Divina Comédia dos Mutantes (ou coisas q fazem essa vidinha besta valer a pena)

Entrevista publicada em janeiro de 2007

Dojival Filho
Do Diário do Grande ABC
Após quase três décadas inativos, os Mutantes promovem quinta-feira, no Parque da Independência, em São Paulo, um retorno triunfal aos palcos brasileiros, como atração principal das comemorações do 453º aniversário da cidade. O Diário visitou a casa do guitarrista Sérgio Dias na semana passada. É o quartel-general onde o grupo acerta os detalhes para o concerto.
Na sala de estar da confortável casa, situada em um condomínio de luxo, na Granja Viana, em São Paulo, Sérgio, a cantora Zélia Duncan, Arnaldo Baptista e o baterista Dinho Leme receberam a reportagem para um descontraído bate-papo retratado pelo ilustrador Seri.

DIÁRIO: Quais surpresas vocês preparam para o show?
ARNALDO BAPTISTA: Trouxe o contrabaixo e talvez eu toque uma música com ele. Ainda nem sei qual. Na minha carreira solo, eu toco baixo em todos os discos, mas, nos Mutantes, toco teclado.
DINHO LEME: Antigamente, ele gravava os baixos.
SÉRGIO DIAS: A Zélia vai tocar bateria, o Dinho vai tocar guitarra e eu vou ser roadie (risos).

DIÁRIO: Pode ocorrer uma jam session com o Tom Zé?
SÉRGIO: Eu espero que sim.
ZÉLIA DUNCAN: Agora, queremos curtir um pouco o lançamento, mostrar o show que nós não mostramos.
SÉRGIO: Não dá para a gente fazer um show por mês. A gente trabalhou muito para fazê-lo. ZÉLIA: A surpresa é todo mundo ver a gente tocando (risos).

DIÁRIO: Vocês já trabalharam em alguma composição nova?
SÉRGIO: Tudo preguiçoso (aponta sorrindo para os demais).
ZÉLIA: Esse ano a gente tem que curtir esse disco. Tem uma agenda bacana sendo apresentada, com vários shows: Brasília, Goiânia, Curitiba, Rio, Salvador, Porto Alegre, e, depois, Canadá e Suíça.
SÉRGIO: Vamos tocar no Glastonbury (renomado festival inglês) e três dias na Irlanda.
ZÉLIA: Foi um enorme trabalho. Agora que as coisas se encaixaram, a gente quer curtir o palco. Não temos que ficar desesperados com as músicas inéditas. É uma coisa normal, vai rolar. ARNALDO: Estou compondo uma letra que se chama Os Campos Energéticos.

DIÁRIO: Sobre o que trataria um disco dos Mutantes hoje?
SÉRGIO: A gente ainda não sabe.
ARNALDO: Vou tentar levar para um lado científico.
SÉRGIO: Eu também (risos).ZÉLIA: Já eu não. Está bom, né? (risos).

DIÁRIO: O fato de ter substituído a Rita Lee e ter sido alvo de comparações ainda é algo que pesa para você?
ZÉLIA: Isso já está resolvido na cabeça de todo mundo. Quem não está resolvido é porque não vai resolver nunca e também não interessa pra gente.
SÉRGIO: Não vamos querer dar pano para manga nessa história, porque isso já é passado. O que tinha que acontecer, já aconteceu.

DIÁRIO: Rita Lee tem um timbre mais agudo que o da Zélia. Vocês tiveram que fazer alguma adaptação nos arranjos?
ZÉLIA: Na verdade, quem dá a palavra final sobre os tons sou eu (risos).
SÉRGIO: Quem manda na banda é a Zélia (risos). Eu sabia que era possível, não ia jogar a Zélia numa fogueira.

DIÁRIO: Zélia, como está sua carreira solo? ZÉLIA:
Vai muito bem, obrigada. Estou em turnê, trabalhando muito, acabei de chegar de Salvador, gravei um DVD da turnê do Pré-Pós Tudo Bossa Band, que vai ser lançado depois do Carnaval. Minha prioridade são os Mutantes, mas minha carreira está aí.
SÉRGIO: A gente tem um médico que fica atrás dela para saber se está tudo direitinho. Essa mulher é uma loucura.

DIÁRIO: Sérgio, como está sua relação com o Arnaldo hoje?
SÉRGIO: Hoje em dia, posso admirar e contemplar o que ele fez em mim. Isso é genial. Lembro de uma vez, ainda moleque, e, como todo moleque, vagabundo, só queria saber de guitarra. Tinha que carregar a Kombi depois de um show. E eu tava lá me arrastando, fingindo que estava carregando uma caixa Leslie. O Arnaldo chegou e disse: ‘É assim, ó!’ (faz o movimento de alguém empurrando uma caixa com força). Outra vez, falou: ‘Você tem que aprender a ser mais humilde’.
ARNALDO: Eu não lembrava disso.
ZÉLIA: Tem coisas que são só para quem ouviu lembrar. Quem falou esquece (risos).
SÉRGIO: O Arnaldo é um furacão.
ARNALDO: Furacão é injeção de veterinário (risos). Está sendo maravilhoso. Antigamente, eu tinha muitas idéias, e, agora, parece que tudo entrou num foco, numa grande angular.

DIÁRIO: Como a gente pode explicar para um leigo a importância da sua famosa guitarra Régulus? Há uma réplica dela?
SÉRGIO: Tem essa aqui que nunca foi terminada (aponta para uma guitarra pendurada na parede). O timbre dela é tão característico, a inclinação de cordas dela é altíssima e o tamanho da escala é todo diferente. Ela tem um som que é só dela.

DIÁRIO: Sérgio, mesmo antes de o grupo voltar, você sempre falou em entrevistas sobre a banda como algo muito presente. Em algum momento se sentiu chateado com informações equivocadas que foram publicadas na imprensa?
SÉRGIO: Sim, muitas vezes. Vi declarações de pessoas que eu revidei. Mutantes é motivo de orgulho para mim e sempre foi. É a substância da qual eu sou feito.

Qualquer medo

Tinha tamanho pavor à idéia da morte, que nem se deu conta do suspiro derradeiro. Permaneceu inteiro, ereto, caminhante, pagando religiosamente o IPTU. Entretanto, percebeu que se transformara em sombra, em coisa pálida, em pedaço do que um dia sonhara pra si. Não teve essa transmutação nenhum tipo de beleza, nem a da vertigem. Crisálida? O papo da larva asquerosa q subitamente transforma-se em formosa borboleta? Tsc,tsc,tsc. Depois de vinte e muitos anos tinha sido rebaixado à condição de rato. Não era mais um homem, era um RATO. Tudo lhe causava pavor. Coração na boca, cárie na artéria, não cabia mais em si. Milhões de palpitações, palpites de males incuráveis. No alto da colina, a mesma onde ele já vislumbrara a Bulgária, a Dinamarca e até o Japão, só via curvas sinuosas e fatais.